3.5.10

Abril




“Como é difícil
Pai, abrir a porta
Essa palavra
Presa na garganta
...
Esse pileque
Homérico no mundo
De que adianta
Ter boa vontade
Mesmo calado o peito
Resta a cuca
Dos bêbados
Do centro da cidade...

Quero perder de vez
Tua cabeça
Minha cabeça
Perder teu juízo
Quero cheirar fumaça
De óleo diesel
Me embriagar
Até que alguém me esqueça”

Calice - Chico Buarque



Primeiro ato
Terminar a matéria, publicar no site, buscar a mala, enfiar no carro. Dali a algumas horas, penetráveis, bólides e parangolés. Em busca de um café qualquer para colocar A conversa em dia. À noite, sessão corredor, títires, boi da cara preta, carioquismos e padoca.

Antes da pop art, atraque na cracolândia. Incrédula, sigo caminhando parada. Para almoçar às 17h - é dia santo - balcão com vitrine, motoristas, prostitutas, travestis; metáfora da cidade que nunca dorme. Quando é madrugada, somos Caliban, Sycorax e Puck - vidas com rumo, suspensos pela incerteza. Na estação de metrô, coca-cola e insight.

O dia no parque está chuvoso. Mesa-redonda, várias gerações, conversas-síntese no buffet. Anarquitetura, energy trees, fendas e colapso do espaço urbano. Para chegar no clube de jazz, caminhar apenas. Vinho, arte e internet. Todo encontro casual é marcado. Num estalar, domingo. É preciso resistir às divagações e partir. Do avião para o hospital.

Segundo ato
Uma cirurgia por diversas vezes adiada. A mãe já não suporta a gravidade. Consigo levá-la comigo, distraí-la com seriados e projetáveis. Na cama, a luz permanece acesa até a madrugada. “Vamos, então, você e eu / Quando a noite estiver estendida contra o céu / Como um paciente anestesiado numa mesa”.

Alguém passa por aqui e me re(conhece). Faz 14 anos, ao meu lado, em imobilidade desesperada como agora está o pai.

Terceiro ato
Estou em território troppo sensibile. O aniversário de 5 anos é para mim de 11. Revisito todos os cantos, retorno aos fundos, ao santuário. A subida pela escada, minha ascese diária à utopia. Sons hipnóticos, trip-a-delic e criação coletiva. Convívio definitivo com o amigo-irmão-pai - termômetro, escudo, inspiração. Da janela da livraria, um clio vermelho ronda meu castelo. No palco, jazz, bossa nova, coral, que é de Paulinho, que é de João, que é de ninguém. (Aquele lugar é meu e alheio a mim). Os pilares, as fotos dos tantos eventos em direção à sacada, aos vitrais. A porta do castelo está fechada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário