31.8.07

Alfândega

Sol de alucinar. Céu azul de brigadeiro por detrás das palmeiras nas janelas lindas, enormes, inesquecíveis. O vagar das folhas, o leve movimento do tronco. Na quina da escada, pilastra onírica, me apropriando do museu. Num só golpe vejo vitrais, azulejos, e tudo se mistura numa história que não sei se inventei, se fui, se me torno/ me entorno. E o que escrevo não dá conta de mim. Minha redenção sou eu mas não estou. Gestação do medo que é maior que a vida, maior que o amor.
Serei o que quis/ Me desfiz.

Na agitação do centro da cidade, uma sinfonia de pássaros. Paineira, jacarandá e as flores que despencam no meu colo. Vejo a Praça da Alfândega, sítio dos guaranis, cartas que custam a chegar, ponteiros do relógio marcando encontros no footing da rua da Praia. De frente para o museu, o olhar acompanha o prédio, desde as escadas, na entrada, as gárgulas, os torreões, a copa das palmeiras. Nesse solo, impregnado de história, diferentes povos e etnias aportavam. Cheguei de navio, passei pela alfândega. Vi as horas no relógio no alto da torre.

Na pinacoteca, sou interpelada por uma mulher que acaba de sair de uma sessão de terapia. Está afoita, revela segredos e a luz se apaga. O museu fica às escuras. Troca de telefonemas, mensagem via rádio. Da portaria, vejo nas escadas, nas janelas, a luminosidade difusa de um dia que ainda não terminou.

A lua desponta entre os prédios, fechados no instante exato que a noite pedia licença. Lentamente, uma nesga de claridade forma borrões em cor de rosa. E então, o ocaso: a noite tem pressa. Bastaria um sinal de fumaça. Mas o sinal não vem. Apanho o bonde e desço no fim da linha. Na torre, os ponteiros do relógio estão parados.