23.8.10

Julho

Esta publicação marca o solstício de inverno do Projeto Calendário no meu blog. Originalmente é produzida nos primeiros dias do mês subsequente. Julho foi marcado pela leitura e audição de “O Poder do Agora”, de Eckhart Tolle, que contribuiu muito para reorganizar vários conceitos que até então não se traduziam necessariamente em sensações e espiritualidade para mim. Em 04 de agosto, meu pai faleceu. Ainda não sou capaz de escrever sobre ele, sobre as diversas cenas que emergem a cada vez que minha mente (di)vaga por entre lembranças e estórias. Enquanto eu lia o último capítulo, tive um insight: vou dar de presente este livro para ele no Dia dos Pais. Quem sabe poderá ajudá-lo a aliviar suas preocupações para usufruir do que o agora reserva para ele.

No domingo dos pais, ele não estava mais aqui.
Decido então compartilhar, ainda que postumamente, alguns excertos do livro, elencado por itens como ele gostava. Uma ata espiritual para o meu pai, o primeiro homem da minha vida.

Sobre a entrega
A entrega é a sabedoria simples mas profunda de nos submetermos e não de nos opormos ao fluxo da vida. O único lugar em que podemos sentir o fluxo da vida é no Agora. Isso significa que se entregar é aceitar o momento presente sem restrições e sem nenhuma reserva. É abandonar a resistência interior àquilo que é. A resistência interior acontece quando dizemos “não” para aquilo que é, através do nosso julgamento mental e de uma negatividade emocional. Isso se agrava especialmente quando as coisas “vão mal”, o que significa que há um espaço entre as exigências ou expectativas rígidas da nossa mente e aquilo que é. Esse é o espaço do sofrimento. Se você já tiver vivido bastante tempo, certamente saberá que as coisas “vão mal” com muita freqüência. É precisamente nesses momentos em que a entrega tem de ser praticada, caso queiramos eliminar o sofrimento e as mágoas da nossa vida. A aceitação daquilo que é nos liberta imediatamente da identificação com a mente e nos religa com o Ser. A resistência é a mente.

A entrega é um fenômeno puramente interior. Isso não quer dizer que não possamos fazer alguma coisa no campo exterior para mudar a situação. Na verdade, não é a situação completa que temos de aceitar, mas apenas o segmento minúsculo chamado o Agora. Resignação não quer dizer entrega. Você não precisa aceitar uma situação indesejável ou desagradável na sua vida. Nem precisa se iludir e dizer que não tem nada errado. Você tem completa consciência de que deseja sair dali. Então reduz a sua atenção ao momento presente, sem atribuir a essa situação nenhum rótulo mental. Isso significa que não existe nenhum julgamento do Agora. Em conseqüência, não existe nenhuma resistência, nenhuma negatividade emocional. Você aceita a “existência” do momento. A seguir, toma uma atitude e faz tudo o que puder para sair da situação. Chamo essa atitude de ação positiva. Funciona muito mais do que uma ação negativa, que decorre da raiva, do desespero ou da frustração. Até que alcance o resultado desejado, você continua a praticar a entrega ao se abster de rotular o Agora.

Existe alguma coisa dentro de você que não é afetada pelas circunstâncias transitórias que constroem a sua situação de vida e a que você só tem acesso através da entrega. Trata-se da sua vida, do seu próprio Ser, que existe no eterno domínio do presente. Encontrar essa vida é “a única coisa necessária” de que Jesus falava.

Sobre a energia da mente X energia do espírito
Até que você pratique a entrega, a dimensão espiritual é algo a respeito do que você já leu, ouviu falar, escreveu, pensou, acreditou ou não. Não faz diferença. Não até que a entrega tenha se tornado uma realidade em sua vida. No momento da entrega, a energia que você desprende e que passa a governar sua vida é de uma freqüência vibracional muito maior do que a energia da mente, que ainda governa as estruturas sociais, políticas e econômicas da nossa civilização e que se perpetua através da propaganda e dos sistemas educacionais. Através da entrega, a energia espiritual penetra nesse mundo. Ela não gera sofrimento para você, para outros seres humanos ou para qualquer outra forma de vida no planeta. Ao contrário da energia da mente, ela não polui a terra e não está sujeita à lei das polaridades, que diz que nada pode existir sem o seu oposto e que não pode haver o bem sem o mal. Aqueles que continuam dominados pela mente – a grande maioria da população – não percebem a existência da energia espiritual. Ela pertence a uma outra ordem e vai criar um mundo diferente quando um número suficiente de seres humanos entrar no estado de entrega e se tornar totalmente livre da negatividade. Se a Terra sobreviver, essa será a energia daqueles que a habitarem.

Sobre as discussões
Deixe-me ilustrar como a entrega pode agir nos relacionamentos. Quando se envolver em uma discussão ou um conflito com um sócio ou um amigo, observe como você se coloca na defensiva quando a sua própria posição é atacada, sinta a potência da sua própria agressão ao atacar a posição da outra pessoa. Observe o apego aos seus pontos de vista e opiniões. Sinta a energia mental e emocional por trás da sua necessidade de ter razão e de mostrar à outra pessoa que ela está errada. Essa é a energia da mente. Você a torna consciente ao reconhecêla, ao senti-la o mais completamente possível. De repente, no meio de uma discussão, você descobre que pode fazer uma escolha e resolve abdicar da sua própria reação, só para ver o que acontece. Você se entrega. Não quero dizer abrir mão da sua reação verbalmente dizendo “está bem, você tem razão”, com um ar no rosto que diz “estou acima de toda essa inconsciência infantil”. Isso é apenas deslocar a resistência para um outro nível, com a mente ainda no comando, considerando-se superior. Estou falando de abandonar todo o campo de energia mental e emocional que estava disputando o poder dentro de você.

Sobre o trabalho
A entrega é perfeitamente compatível com tomar uma atitude, iniciar uma mudança ou atingir objetivos. Mas, no estado de entrega, uma energia totalmente diferente flui naquilo que fazemos. A entrega nos religa com a fonte de energia do Ser, e, se as nossas ações estiverem impregnadas com o Ser, elas se tornam uma alegre celebração da energia da vida, que nos aprofunda cada vez mais no Agora. Através da não-resistência, a qualidade da nossa consciência, e, portanto, a qualidade do que estivermos fazendo ou criando, aumenta sem medidas. Os resultados vão falar por si mesmos e refletir essa qualidade. Podemos chamar isso de “ação de entrega”. Não é um trabalho tal como nós conhecemos por milhares de anos. À medida que mais seres humanos despertarem, a palavra trabalho vai desaparecer do nosso vocabulário e talvez seja criada uma nova palavra para substituí-la. A qualidade da sua consciência neste momento é que vai determinar o tipo de futuro que você vai viver. Portanto, entregar-se é a coisa mais importante que você pode fazer para provocar uma mudança positiva. Qualquer outra coisa que você fizer será secundária. Nenhuma ação positiva pode surgir de um estado de consciência onde não existe entrega.

Sobre a atitude
Olhe para uma situação específica e pergunte-se: “Existe alguma coisa que eu possa fazer para mudar essa situação, melhorá-la ou me retirar dela?” Se houver, você toma a atitude adequada. Não se prenda às mil coisas que você vai ter que fazer em algum tempo futuro, mas na única coisa que você pode fazer agora. Isso não significa que você não deva traçar um plano. Planejar talvez seja a única coisa que você possa fazer agora. Mas certifique-se de que você não vai começar a rodar “filmes mentais”, se projetar no futuro e, assim, perder o Agora. Talvez a atitude que você tomar não dê frutos imediatamente. Até que ela dê, não resista ao que é. Se não houver nada que possa fazer e você também não puder escapar da situação, use isso para poder ir mais fundo na entrega, mais fundo no Agora, mais fundo no Ser. Quando entra nessa eterna dimensão do presente, a mudança sempre acontece por caminhos estranhos, sem a necessidade de uma grande quantidade de atitudes da sua parte. A vida se torna proveitosa e cooperativa. Se fatores internos como o medo, a culpa ou a indolência impedem você de tomar uma atitude, eles vão se dissolver na luz da sua presença consciente.

Sobre a resistência
Comece por admitir que é resistência. Esteja lá quando a resistência aparecer. Observe de que modo a sua mente a cria, que nome dá à situação, a você mesmo, ou aos outros. Observe o processo de pensamento envolvido. Sinta a energia da emoção. Ao testemunhar a resistência, você vai verificar que ela não tem nenhum propósito. Ao focalizar toda a sua atenção no Agora, a resistência inconsciente passa a ser consciente, e isso é o fim dela. Você não pode estar infeliz e consciente. Se há infelicidade, negatividade ou qualquer forma de sofrimento, significa que existe resistência, e a resistência é sempre inconsciente. Eu tenho certeza de que posso estar consciente da minha infelicidade. Você escolheria a infelicidade? Se não escolheu, como ela apareceu? Qual é o propósito dela? Quem a está mantendo viva? Você diz que está consciente da sua infelicidade, mas a verdade é que você está identificado com ela e mantém vivo esse processo de identificação, através de um pensamento compulsivo.

Tudo isso é inconsciência. Se você estivesse consciente, quer dizer, totalmente presente no Agora, toda a negatividade iria se dissolver quase instantaneamente. Ela não conseguiria sobreviver na sua presença. Só consegue sobreviver na sua ausência. Nem mesmo o sofrimento consegue sobreviver muito tempo diante da presença. Você mantém a infelicidade viva quando dá tempo a ela. Esse é o sangue dela. Remova o tempo, concentrando uma percepção intensa no momento presente, e ela morre. Mas você quer mesmo que ela morra? Você já teve mesmo o bastante dela? Quem você seria sem ela?

Sobre o não fazer nada
Tendo estabelecido isso, “não fazer nada” quando estamos em um estado de intensa presença é um poderoso transformador e curador de situações e de pessoas. No taoísmo, existe a expressão wu wei, que é comumente traduzida por “atividade sem ação” ou “sentar-se silenciosamente sem fazer nada”. Na antiga China, isso era considerado como uma das mais elevadas conquistas ou virtudes. É radicalmente diferente da inatividade, no estado comum da consciência, ou melhor, da inconsciência, que tem raízes no medo, na indolência ou na indecisão. O verdadeiro “fazer nada” implica uma não-resistência interior e um intenso estado de alerta. Por outro lado, caso haja necessidade de ação, você não vai mais reagir a partir da sua mente condicionada, mas vai responder a uma situação com a sua presença consciente. Nesse estado, a mente é livre de conceitos, incluindo o conceito da não-violência. Então, quem pode prever o que você vai fazer?

Sobre o ego
O ego é esperto, portanto, você tem de estar alerta, presente e ser 100% honesto consigo mesmo para verificar se abandonou realmente sua identificação com uma posição mental e se libertou, assim, da sua mente. Se você se sentir leve, livre e profundamente em paz, é sinal de que você se entregou completamente. Observe então o que acontece à posição mental da outra pessoa, já que você não mais a energiza ao oferecer resistência. Quando abrimos mão da identificação com as nossas posições mentais, começa a verdadeira comunicação.

O ego acredita que a nossa força reside em nossa resistência, quando, na verdade, a resistência nos separa do Ser, o único lugar de força verdadeira. A resistência é a fraqueza e o medo disfarçados de força. O que o ego vê como fraqueza é o Ser em sua pureza, inocência e poder. O que ele vê como força é fraqueza. Assim, o ego existe num modo contínuo de resistência e desempenha papéis falsos para encobrir a “fraqueza”, que, na verdade, é o nosso poder. Até que haja a entrega, a representação inconsciente de determinados papéis se constitui em grande parte da interação humana. Na entrega, não mais precisamos das defesas do ego e das falsas máscaras. Passamos a ser muito simples, muito reais. O ego não sabe, é claro, que somente quando deixamos de resistir, quando nos tornamos vulneráveis, é que podemos descobrir a nossa verdadeira e fundamental invulnerabilidade.

A entrega não transforma aquilo que é, ao menos não diretamente. A entrega transforma você. Quando você estiver transformado, todo o seu mundo fica transformado, porque o mundo é somente um reflexo. Se você se olha no espelho e não gosta do que vê, tem que ter enlouquecido para agredir a imagem no espelho. É exatamente assim que você age quando está em um estado de não-aceitação. E, naturalmente, se você agride a imagem, ela ataca você de volta. Se você aceita a imagem, não importa qual ela seja, se tem uma postura amigável em relação a ela, a imagem não consegue não se tornar amigável em relação a você. É dessa forma que você consegue mudar o mundo.

Sobre a doença
A doença não é o problema. Você é o problema, enquanto a mente estiver no controle. Quando você estiver doente ou incapacitado, não sinta que fracassou de alguma forma, não sinta culpa de nada. Não culpe a vida por tratar você tão mal, mas também não se culpe de nada. Tudo isso é resistência. Se você tem uma doença grave, use-a para alcançar a iluminação. Use qualquer coisa ruim que acontecer na sua vida para alcançar a iluminação. Retire o tempo da doença. Não dê a ela nenhum passado ou futuro. Deixe-a forçar você para a percepção intensa do momento presente. E veja o que acontece.

Não estou querendo dizer que você vai ficar feliz em uma situação dessas. Não vai. Mas o medo e o sofrimento vão se transformar em uma paz interior e uma serenidade que vêm de um lugar muito profundo, do próprio Não Manifesto. Essa é a “paz de Deus, que ultrapassa todo o entendimento”. Comparada a isso, a felicidade é quase uma coisa superficial. Com essa paz radiante, vem a percepção – não no nível da mente, mas dentro das profundezas do seu Ser – de que você é indestrutível, imortal. Isso não é uma crença. É uma certeza absoluta, que não precisa de uma manifestação exterior nem de qualquer prova.

Sobre o sofrimento
Aqui está a sua segunda chance de entrega. Se você não consegue aceitar o que está lá fora, aceite então o que está dentro. Isso quer dizer, não resista ao sofrimento. Permita que ele esteja ali. Entregue-se ao pesar, ao desespero, ao medo, à solidão, ou a qualquer forma que o sofrimento assuma. Abrace o sofrimento. Veja, então, como o milagre da entrega transforma o sofrimento profundo em uma paz profunda. Essa é a sua crucificação. Permita que ela seja a sua ressurreição e ascensão ao céu.

A aceitação do sofrimento é uma viagem em direção à morte. Encarar o sofrimento profundo, permitindo que ele exista, colocando a sua atenção sobre ele, é entrar na morte conscientemente. Quando tiver morrido essa morte, você perceberá que não existe morte e que não há nada a temer. Só quem morre é o ego. Imagine um raio de sol que se esqueceu que é uma parte inseparável do sol, acredita que precisa lutar pela sobrevivência e, assim, cria e se apega a uma outra identidade diferente do sol. Será que a morte dessa ilusão não seria incrivelmente libertadora?

Se você pensa que precisa de mais tempo, você terá mais tempo – e mais sofrimento. O tempo e o sofrimento são inseparáveis.

Ninguém escolhe o problema, a briga, o sofrimento. Ninguém escolhe a doença. Elas acontecem porque não existe presença suficiente para dissolver o passado, ou luz suficiente para dispersar a escuridão. Você não está aqui por inteiro. Você ainda não acordou. Nesse meio tempo, a mente condicionada está governando a sua vida.

Um comentário:

  1. Amiga, que bom que o Eckhart teve um impacto assim tão legal em ti. Se precisar de mais audiobooks dele é só pedir. And remember: "Watch the ego. Be aware of it. You are not your mind" ;-) bjao, Sheron.

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