6.4.10

Março

"É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto o desgosto, é um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego, é uma ponta, é um ponto
É um pingo pingando, é uma conta, é um conto

É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada

É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato, na luz da manhã
...
esto, oco, ouco, inho, aco, idro, ida, ol, oite, orte, aço, zol"

Águas de Março - Tom Jobim


O despertador toca diariamente às 7h15. Função soneca ativada pelo menos umas 5 vezes até que realmente o corpo se prepare para esboçar alguma mobilidade. Frutas na mesa, dois pães na torradeira, tv ligada no noticiário ajuda a entrar em contato com o mundo externo. Sob uma brisa de 25°, a civilização começa a voltar a Petit POA.

Sentado à frente do computador, vislumbrando versões do futuro (ou nenhum futuro) para si mesmo, mantendo as aparências. Digita, canta e atende o telefone. Vezemquando consegue substituir bege, madeira e luz incandescente por um par de olhos verdes, um sorriso ou um e-mail em afinidade eletiva.

À noite, dançar espantaria os incômodos acumulados no corpo-cadeira durante a semana. Dançar, dormir, acordar, fazer amor, caminhar. Mas o compasso do tédio-impotência-desilusão não define ritmo algum. Disritmia. Fixação da onda mental do espírito comunicante.

Então, numa noite qualquer tudo pulsando num imenso vazio, coisa saindo do nada, indo pro nada. Vodka, sarcasmo e um salto no abismo. Penas cor púrpura, deixa o deserto e junta alguns ramos aromatizados. Uma voz melodiosa que se vai se tornando triste. Autocombustão.

Mas é ao ler na página de horóscopo do jornal, aquela mesma em que são publicadas as palavras cruzadas e os quadrinhos, que o narrador encontra, finalmente, o sentido que vinha buscando em cores, odores e amores: “O desconforto é de origem desconhecida, é uma sensação difusa sobre a qual não adianta debruçar-se e refletir para compreendê-la, pois isso a prolongaria desnecessariamente. Trate o desconforto com indiferença”.

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