22.7.08

Salve Jorge

Leveza, uma das propostas de Ítalo Calvino para esse milênio. No livro, o genial escritor italiano aprofunda suas escolhas, contrapondo-as com seus opostos, lembrando que uma não poderia existir sem a outra. À delicadeza, ele discorre sobre o peso, a densidade das coisas. Foi com essa idéia que saí do show de Jorge Drexler. Sabia que poderia ser interessante. Mas sinceramente não imaginava que provocaria algo tão delicado, que sensibilizasse a ponto de mobilizar (in)certezas. O improviso, o diálogo com a platéia, os músicos/ operadores de som que o acompanham - tudo contribui para uma atmosfera particular que ele vai criando, sutil e lentamente. A resposta do público a sua presença – acompanhando-o nas letras, com a mesma voz suave e afinada, quase que num sussurro musical coletivo - foi sem dúvida a mais comovente que já participei. Algumas combinações de palavras e melodias ficaram gravadas na minha memória, a um tempo simples e sofisticadas. "Estás conmigo / estamos cantando a la sombra de nuestra parra / una canción que dice que uno sólo conserva lo que no se amarra / y sin tenerte, te tengo a vos y tengo a mi guitarra". A experiência recente teria me feito mais sensível ao espanhol ou seria mesmo seu toque de Midas? "Tengo tu sonrisa/ en un rincón/ de mi salvapantallas". Depois do show, con un vaso de vino, lembrei de outra expressão que particularmente gosto em todas línguas que conheço, aquela relacionada ao olhar: "mirar de costado". Mas esse é apenas alguns dos aspectos da experiência em que nos faz embarcar Jorge Drexler. Junto com seus dois músicos, conhecemos sons gravados de campainhas de bicicleta, de comissárias de bordo e geringonças eletrônicas em que se evidencia o humor melancólico tão característico do sul. "Hay-manos-capaces-de-fabricar-herramientas-con-las-que-se-hacen-máquinas-para-hacer-máquinas-para-hacer-ordenadores-que-su-vez-diseñan-a-máquinas-que-hacen-herramientas-para-que-las-use-la-mano". El pianista del gueto de Varsóvia "Fechas, tan sólo fechas/ Yo estoy aquí, tu estabas allá" e Milonga del moro judío "vale más cualquier quimera/ que un trozo de tela triste", duas canções que partem da experiência judaica, mas expandem as fronteiras tão defendidas na Terra Santa. Drexler traz ainda uma versão milongueira de Dance me to the end of love, e nos transporta para um lugar onde Leonard Cohen encontraria Alfredo Zitarrosa. Algumas palavras seguem ecoando em mim: fechas, costado, salvapantalla, golondrina. Pouco importa aqui o significado que elas têm. Funcionam mais como um enunciado, uma vibração, uma condição anterior em que elas existiram enquanto signo. Jorge é, evidentemente, sensível à impermanência. E assim como inicia o show, encerra com mais uma de suas econômicas observações sobre as pequenas-grandes-coisas de que é feita a matéria da vida:
"Cada uno da lo que recibe
y luego recibe lo que da,
nada es más simple,
no hay otra norma:
nada se pierde,
todo se transforma".


foto retirada do site G1, 03/09/2007

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