15.4.08

sobre tangos e candombes
























Contardo Callagaris define em um belíssimo artigo seu, a partir da leitura de Saramago em O Conto da Ilha Desconhecida, que viajar é deslocar-se para um lugar onde possamos descobrir que há em nós algo que não conhecíamos até então. Amor e viagem teriam isso em comum: o outro amado, tanto quanto a chegada numa terra incógnita, nos revela algo inesperado em nós. O cenário seria perfeito: dias ensolarados, crepúsculo púrpura, noites de via láctea branca branca branca, tão lindas como há anos somente vi no pampa gaúcho. Fatores nem sempre fazem humores, para quem está alijado da sensibilidade, para quem não sabe que os outros não são nenhum inferno, são uma viagem. Entretanto - outra vez Calligaris - para amar, como para viajar, é preciso determinação e coragem. Em caso de despressurização da cabine, máscaras de oxigênio não caíram automaticamente sobre a cabeça. Dormir receio, acordar dúvidas, lidar com o estranho, que não sabe dialogar, não quer se perceber nem a nada que não faça parte de seu universo conhecido, seguro. Hay siempre un faro por ahí. Sou jogada ao abismo. Busco o entendimento. Recebo diplomacia. Pouco amor não é amor. Vino rosso, cortina de fumaça - inspiração, enfim transpiro. Barbara e Robert, era de aquário reforçando quem sou. E mais Kevin e Lara, elfos del sur. Sou criança e tenho uma filha. Caminho, observo e fotografo. Atravesso fronteiras, vejo o sol se pondo em movimento; movimento meu, do sol, da terra, da água. Terra em transe. Fim da tarde a terra cora e a gente chora porque fin-da tarde. Então o tango, um longo abraço, um misturar-se, um entrelaçar-se de corpos infinitamente. Quadril, mãos, pernas. El tango es perverso. No, la vida es perversa. A estrada pela esfingie de Borges, Cortazar, Arregui, Benedetti, Casares, inebriada pela dramaticidade; melancolia. Assim me aproximo de outro, suave - retorno a Ciudad Vieja já em outra viagem. Espelho generoso, atento. O tempo transcorrido não é igual ao tempo subjetivo. Olho o Plata, e de tal arte que me esquece olhar olhando, e súbito isto me bate de encontro ao devaneando — O que é ser rio, e correr? O que é está-lo eu a ver? El viaje, el camino que se hace ao caminhar. Uma anedota.

2 comentários:

  1. Vou tentar te descrever o que eu senti ao ler este texto (bem sabes que sou boa nas palavras, mas na hora das metáfora abstratas...)

    Tem uma coisa que eu adoro, me dá uma sensação de intimidade doida e volta e meia me tira do chão: é quando alguém sorve um gole de vinho (tinto, please) e ao invés de engolir me beija, passando o líquido pra minha boca. Não um bouquet de sensações apenas sensuais, mas sensoriais. Foi isso que esse teu escrito me passou. Paixão, desejo, volúpia, mas também visão, música, aromas, texturas e até gostos. Delícia.

    ResponderExcluir
  2. Nossa Vivi, que texto incrível. Recebi tuas newsletter e acabei caindo no teu blog. Vim semana passada de Montevidéu, coloquei fotos no meu orkut. Ah, as tuas estão belíssimas!
    Tu foi no museo blanes?
    Incrível postagem! O movimento do sol que viram, enfim, muitos...

    ResponderExcluir